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domingo, 14 de março de 2010

TOC TOC

A morte bateu em minha porta novamente. Estava no banheiro, fazendo xixi e de repente a Yasmin entra em casa desesperada gritando “banheiro, banheiro”...pensei que fosse menstruação ou uma dor de barriga...até dei um sorriso sacana. Mas as batidas na portas foram tão intensas que me assustei...mal terminei e corri para abrir a porta. Ela estava agachada e o Rufles (seu Bull Dog inglês de 1 ano e 7 meses) estava deitado..lutando desesperadamente por um pouco de ar. Sua língua estava roxa e ele não conseguia ficar em pé.
É estranho como mudamos o conceito sobre nós mesmos em apensa alguns segundos. Pensei que sabia tudo sobre a morte...pensei que ela nunca mais me abalaria...pensei que era forte...pensei...mas nada como a prática para provar ou desmentir uma teoria.
Eu nem gosto tanto assim de cachorros... o Rufles é um cachorro carismático,mas baba muito e ronca o tempo todo. Quando o vi naquela situação, um cão forte que não conseguia sair do chão, lutando por um pouco de ar, e o choro da Yasmin, que não sabia o que fazer, vendo a água do chuveiro cair sobre ele... senti agonia e medo. Medo da presença da morte...e era apenas um cão.
Perguntei onde estava o Breno e ela disse que estava guardando o carro. Desci rapidamente e mandei que colocasse o carro na porta do prédio. Subi desesperado e sem pensar muito, carreguei o Rufles até o carro e fomos para uma clínica veterinária. Foram poucos, mas “longos” minutos até que ele recuperasse sua respiração normal. Vê-lo lutando pela vida em cima de uma maca me levou ao Real Hospital Português, em Recife. Lembro-me de tudo que vivi lá. Lembro-me de tentar acompanhar pelas fretas da cortina os primeiros procedimentos que faziam com a Fê. Era uma luta e tanta, e eu tentava ajudar com todas as minhas forças. Quando ele (Rufles) ficou melhor estacionou sobre mim um alívio delicioso, mas imediatamente fui transportado para o dia, o local, e o momento do acidente.
Senti um incômodo terrível e uma sensação de covardia gigantesca. Após acordar com o barulho da batida, percebi que a Fê estava inconsciente e fiquei fora de mim. Não percebi que a menos de 100 metros havia um hospital...o SAMU não atendia o telefone...eu não lembrava os números de mais ninguém...o socorro não chegava e eu não fiz nada...nem tentei tirá-la de lá...eu quase não a toquei mais. Tive medo....como se já pressentisse a notícia que chegaria mais tarde. Tive medo como nunca havia sentido...um medo aterrorizante. Fiquei cego, paralisado e incapaz de raciocinar...lembro-me que a única coisa que consegui fazer foi me ajoelhar no asfalto e orar loucamente, chorando todas as minhas lágrimas, concentrando toda a minha fé e força. Naquele momento “eu” era todo fé, “eu” era todo medo e uma sensação de abandono pleno pairava sobre minha mente...a polícia não ficou no local, o SAMU não atendeu, os poucos carros que passavam não paravam. E Deus estava em silêncio...ou pelo menos não consegui escutá-lo naquele momento.
Me senti um covarde hoje pelo que não fiz naquele dia!!! Talvez se eu ao menos tivesse tentado alguma coisa...
O Rufles ficou na clínica em observação. Voltamos para casa e ao parar na garagem, recolhi seu potinho de água que estava no banco de trás. Eu estava em dois mundos novamente...a sensação foi semelhante quando entrei no quarto dela depois de tudo. Nada mais importava. Todas aquelas coisas bonitas; roupas, enfeites, sapatos e sandálias...nada mais tinha função...nada daquilo tinha valor ou vida, como antes parecia ter. Eram apenas, coisas descartáveis....ilusão. O potinho de água do Rufles, sem ele, não é nada demais. O Rufles está ficando bom...ainda bem. Mas hoje foi estranho demais...me peguei orando por um cão, e com medo da presença da morte.
Essa vida é engraçada mesmo...adora nos testar e pregar umas peças.